ABSTRACT
This work approaches
the subject of modern architecture in Brazil from the start-point of two
of its fundamental topics: establishing landscape by overlaying the architectural
artefact upon nature, and modeling an interior space dependent on the
transparency of the enclosure and on the image of surrounding nature.
These characteristics reflect distinct practices in international modern
architecture, grafted onto modern brazilian architecture which assimilated
them and applied them without the same convictions and intentions, transformed
and incremented upon mutual contact.
Key Words:
modern Brazilian architecture, landscape, architectural design, transculturation.
Palavras-Chave:
arquitetura moderna brasileira, paisagem, projeto arquitetônico,
transculturação.
1 Arquiteto, doutor em
arquitetura pela Universidad Politécnica de Madrid, professor adjunto
da Universidade Estadual de Maringá, PR UEM.
A arquitetura brasileira se tornou moderna e a Arquitetura Moderna, a despeito
de suas premissas originais, se fez brasileira, concretizando aquela noção
de transculturação1 que compreende este processo como o toma-lá-dá-cá
do contato entre culturas, no qual os indivíduos são transformados
e transformam-se, a si mesmos e ao mundo circundante, por meio de práticas
ambivalentes que envolvem, no caso do Brasil, a assimilação,
a adaptação, o deslocamento2 , por certo também a rejeição
e a perda, bem como o amolecimento e a fusão notados por Gilberto
Freyre, desencadeando um processo complexo de ajuste e recriação
cultural, artística, literária, lingüística,
pessoal que tem permitido o nascimento de novas configurações
culturais vitais a partir daquelas idéias e formas originais concorrentes
no choque e na aproximação de culturas diferentes.
A assimilação transformadora da arquitetura moderna no Brasil,
sem manuais de procedimentos ou princípios teóricos definidos
a priori, conferiu-lhe singularidade, granjeou defensores, entusiastas e
críticos, e a arquitetura moderna brasileira não deixou de
influenciar práticas européias e americanas, o que pode ser
notado no vultuoso material publicado e no destaque dado ao tema em outros
países, remetendo aquele fluxo inicial de idéias e formas
que instituíram entre nós a modernidade em arquitetura3 .
A arquitetura moderna brasileira configura-se já a partir da paisagem
que ela funda no ato de sua constituição, entendida por paisagem
a projeção resultante da cultura sobre o ambiente natural4
, configurando diferentes combinações de objetos naturais
e fabricados, determinantes e determinadas pelas práticas humanas.
Como resultado da apropriação e transformação
do meio natural pelo homem, uma determinada paisagem antrópica revela
o sentido que uma sociedade específica dá à sua relação
fundamental com o espaço e com a natureza5 . A modernidade promoveu
diferentes enfrentamentos da natureza e, na construção do
espaço do homem, modelou paisagens tão distintas quanto aquelas
nascidas das construções de Wright, Le Corbusier, Mies van
der Rohe, Alvar Aalto, Niemeyer, Artigas et al. A cultura, a convenção
e a cognição é que se ocuparam de desenhar estas paisagens.
Artifício
e natureza
A paisagem desenhada por esta nossa arquitetura não contradiz os
preceitos corbusianos. É na viagem de 1929 à América
do Sul que Corbusier passa a fazer da natureza um tema, ao invés
de simplesmente alojar seus edifícios nela, fazendo-se notar a
passagem fundamental da formulação doutrinária geral
sobre o marco natural necessário da cidade moderna à identificação
dos elementos chave na conformação da paisagem de um sítio
específico. Em sua conferência no Rio de Janeiro, Corbusier
faz referência à intervenção humana na natureza
como uma partida a dois, uma partida afirmação-homem
contra ou com presença-natureza6 . Nos projetos
sul-americanos desta época podemos ver Corbusier condicionar os
pressupostos teóricos de caráter mais genérico expressos
na Ville Contemporaine ou no Plan Voisin aos elementos dominantes da natureza,
de modo a explorar e conquistar pela ordem geométrica cada uma
destas circunstâncias geográficas.
A geometria é a resposta da razão à natureza, atendendo
àquele princípio de impor uma grande forma, fundada na lógica
cartesiana e no cálculo racional, cuja finalidade é organizar
o mundo de uma maneira exata e de acordo com a razão. Porque
os eixos, os círculos, os ângulos retos, são as verdades
da geometria e são os efeitos que nosso olho mede e reconhece (...)
Medindo, o homem estabeleceu a ordem (...) Porque, em torno dele, a floresta
está em desordem com suas lianas, seus espinhos, seus troncos que
o atrapalham e paralisam seus esforços7 .
A intenção
de Corbusier ao desenhar as modernas Buenos Aires, Montevidéu,
São Paulo e Rio é instaurar a paisagem pelo gesto humano
construtivo, culturalizando o ambiente natural, ordenando o contingente,
atribuindo-lhe valor. Não só no sentido de que a paisagem
emoldurada pelo edifício se oferece à fruição,
mas também de que o edifício constitui a paisagem e a tematiza
ao mesmo tempo8 . É a percepção transformadora que
vai estabelecer e construir a diferença entre matéria bruta
e paisagem.
Aberturas
Mas, à plasticidade e aos princípios das formas corbusianas
vão sendo acrescentados outros, na mesma intensidade em que as
idéias fundamentais da arquitetura moderna vão ganhando
em relaxamento, inovação e ousadia, coincidindo com seu
período de maturidade. A arquitetura moderna no Brasil vai aos
poucos formalizando uma amplitude interna distinta daquela observada nas
edificações de Corbusier, cuja articulação
dos ambientes, extensão dos espaços internos e caracterização
das aberturas ao exterior são extrapoladas no caso brasileiro.
Em edifícios residenciais emprega-se o pano de vidro, o que não
é comum nas casas projetadas por Corbusier, assimilando aquela
transparência ostensiva das construções miesianas
- a defining but not confining space.
Le Corbusier distribui as janelas na edificação como um
pintor que emoldura e faz penetrar a paisagem no interior como um quadro
colocado no cavalete; uma escapada súbita já que a paisagem
não é algo que entra por todos os lados e que está
presente em toda a casa, mas dosada inteligentemente, deve ser um fator
de surpresa9 . Nas ilustrações do projeto do MEC percebe-se
o desenho do espaço interno emoldurando a vista do Pão de
Açúcar ao fundo, fazendo-se lugar de contemplação
do espetáculo natural do qual a edificação participa
organizando-o, entretanto aplicando por primeira vez em escala monumental
a idéia do mur-rideau ou curtain-wall, como reclama Lucio Costa10
. Anos depois, o Pavilhão Brasileiro na Feira Mundial de Nova York
encampava de vez aquela aparência de continuidade espacial e indistinção
entre interior e exterior, mesmo mantendo no conjunto o vocabulário
corbusiano como matriz.
A janela em Corbusier se abre ao longe. Raramente ela estabelece uma relação
íntima com o espaço circundante, composto de grama e de
arbustos, como vemos em Wright, por exemplo, ou em Mies, que dá
o tratamento de plano transparente às aberturas da edificação,
tragando a natureza envolvente, dispondo muros que se estendem desde o
espaço interno até o exterior a fim de sublinhar efetivamente
esta conexão.
A abordagem arquitetônica de Mies incentivou um gosto arquitetônico
próprio dos anos 50, notado por Lucio Costa11 e registrado com
propriedade por Colin Rowe12 , que apontou a simplicidade volumétrica
ideal, a simetria ideal, a centralização
ideal que se fizeram a ordem do dia então. Esta atitude
arquitetônica paradigmática de Mies promoveu uma alteração
marcante do espaço moderno de tipo corbusiano ainda marcado
pela dinâmica cubista para uma amplitude marcada pela estética
miesiana. De Canoas a Brasília, continuando na arquitetura paulista
do concreto aparente cuja volumetria tectônica se manteve entrosada
com os pans de verre, a arquitetura moderna brasileira foi apurando as
características redutivas e esquemáticas do
modelo miesiano em soluções enormemente simplificadas que
associavam grandes estruturas a áreas internas definidas por placas
translúcidas e transparentes.
Sem pôr de lado as diferenças na formulação
da arquitetura moderna brasileira, existentes na forma, nos espaços
e sobretudo na aparência dos materiais empregados, decorrentes de
intenção plástica, programa, meio, época,recursos,
materiais e técnica diferentes, cuja diversidade se flagra nas
construções das duas escolas que deram a tônica
do movimento moderno no Brasil, agindo uma sobre a outra, de modo a se
complementar, se opor, se refazer, mesmo assim podemos apreender o modo
comum de nossa arquitetura desenhar objetos segundo a idéia de
uma forma potente que impera sobre o ambiente natural, para logo romper
com os limites destes objetos a fim de acercar-se à natureza circundante.
Os projetos relacionados a cada uma destas escolas confirmam
as diferenças ao mesmo tempo em que permitem uma generalização
desta ordem: dos volumes puristas de imbricada articulação
espacial às estruturas de concreto aparente com suas amplitudes
predominantemente horizontais, desemboca-se na permeabilidade sombreada
por grandes lajes ou caixas de vidro para descontrair o ambiente interno
e acercá-lo à paisagem natural. Forma essencial no âmbito
daquela plasticidade fomentada pelo emprego do concreto armado, em resposta
à solução simplificada do programa; espaços
delimitados pela transparência de panos de vidro, vinculados à
paisagem que objeto arquitetônico instituiu.
Sendo restrito o espaço reservado para estas linhas, trato deste
modo apressado, sob pena de comprometer o critério e o rigor que
cabe à consideração, da ocorrência simultânea
de elementos compositivos bem definidos de distintas vertentes da arquitetura
moderna e dos seus contatos e trocas, senão mesmo da sua eventual
fusão.
Considerações
finais
Penso que parte da singularidade da arquitetura moderna no Brasil pode
ser observada na assimilação das influências contemporâneas
externas e na dispersão do caráter restritivo de cada uma
das diferentes cristalizações do movimento moderno assimiladas;
uma singularidade antecipada no enxerto e adaptação de um
discurso internacional à circunstância local política
e economicamente favorável por meio da alusão a alguns
elementos construtivos correspondentes do passado colonial, mas reconhecida
sobremaneira no modo corbusiano de fundar a paisagem moderna, associado
àquela intenção miesiana de unificar o espaço
interno, reduzir e sintetizar os elementos estruturais, derrubar os limites
visuais da edificação e pela transparência ligar-se
à natureza ao redor.
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11. Idem.
12. ROWE, Colin. Manierismo y arquitectura moderna y otros ensayos. Barcelona:
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