Revista da Faculdade de Engenharia e Arquitetura
             Vol.3 N° 1 Out. 2001          ISSN 1517 - 7432
 
ARQUITETURA BRASILEIRA NOS ANOS 90:
FLEXIBILIDADE NA PADRONIZAÇÃO DA ARQUITETURA ESCOLAR
Carlos Augusto Razaboni1

Razaboni, C.A. Arquitetura Brasileira nos Anos 90: Flexibilidade na padronização da arquitetura escolar. Revista Assentamentos Humanos, Marília, v3, n. 1, p69-74, 2001.

ABSTRACT

The methodology of standardization of the components and environments of schools of the FDE – Foundation for the Development of Education, is made flexible in 60 projects of schools effected during 1991. In this case study we demonstrate the application of the methodology in one of the projects of this plan.

Key Words: school architecture; standardized components; management of projects.

Palavras-Chave: arquitetura escolar; componentes padronizados; gerenciamento de projetos.

 


1Mestre pela Universidade de São Paulo e professor no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Marília

O arquiteto do projeto escolhido; o projeto e a metodologia

Roberto José Goulart Tibau é um pioneiro da arquitetura escolar paulista. Iniciou sua carreira durante o período do convênio escolar entre a prefeitura do município de São Paulo e o governo do estado. Fez parte do Convênio de início junto a Hélio Duarte, Eduardo Corona, Oswaldo Gonçalves e Mange. Com a saída destes, outros arquitetos entraram: Aluísio Rocha Leão, Arruda, Pitombo, ficando Tibau como ponte entre as gerações. Saindo por sua vez do Convênio, sua participação na produção da arquitetura escolar continuou nos diferentes períodos e órgãos governamentais que se sucederam: Governo Carvalho Pinto, FECE – Fundo Estadual da Construção Escolar, D.O.P. – Departamento de Obras Públicas, CONESP e FDE. O período vai dos anos 50 até a virada do século, sem interrupções. Atualmente o profissional dá assessoria em projetos na FDE.
O Plano Ano 1 do Banco Mundial realizado pela FDE - Fundação para o Desenvolvimento da Educação em 1991 consistiu no projeto de 60 escolas públicas do ensino fundamental na região metropolitana de São Paulo. Dentro de uma metodologia de padronização de ambientes e componentes, neste plano permitiu-se aos arquitetos uma maior liberdade e também uma melhoria na qualidade dos materiais a serem empregados. O que não ocorria desde a década de 70 quando a preocupação era a produção em massa de escolas com excessiva rapidez e economia.
A metodologia possibilita ao órgão um controle em termos de custos e prazos e aos arquitetos uma grande liberdade projetual. O plano foi uma demonstração disso, tendo havido uma grande diversidade nos projetos.
O projeto do arquiteto Roberto José Goulart Tibau para o Plano Ano 1 é o que nos pareceu melhor apresentar as possibilidades permitidas pela metodologia de trabalho da Fundação. Através de seus manuais de padronização de componentes e ambientes , de paisagismo, e de comunicação visual, é disponibilizado para o arquiteto, um vasto “menu” de possibilidades. A idéia essencial é o fornecimento de informações sobre o componente que ainda não está industrializado mas está padronizado. O arquiteto pode selecionar opções, fazendo arranjos e composições que serão garantidos e concretizados no processo de licitação e execução da obra.

 

Assim fica assegurado ao arquiteto a não violação de seu projeto, permitindo ao mesmo criar soluções com os mais diversos níveis de leitura.

A praça da escola foi, na intenção do arquiteto, imaginada para ser a extensão da praça existente ao lado do terreno da escola. O muro existe, apesar de dividi-las, pôr razões de segurança. A idéia de praças complementares se concretiza quando a comunidade faz uso das instalações da escola: galpão, praça e quadra. Pode-se observar na foto o desenho do piso externo padrão utilizado.
Pode-se também optar por luminárias, bancos, muretas e padrões diferenciados de pisos, para fazer a composição das áreas externas das escolas. As luminárias tanto externas como internas são disponibilizadas em vários modelos permitindo a escolha das opções mais indicadas a cada situação.

 

O projeto, em todos os seus detalhes torna-se um jogo de montar a partir de componentes pré estabelecidos. A cada componente corresponde uma definição completa do mesmo, com a descrição, detalhamento, orçamento do custo geral e do serviço necessário à sua instalação. Os manuais de componentes foram elaborados ao longo dos anos, iniciados pela CONESP, órgão responsável pela construção escolar entre os anos 70 e parte dos 80, e adotados e atualizados pela FDE.
Essa escola teve o privilégio de ser construída em um terreno amplo, do qual o arquiteto soube tirar partido. Na área prevista para ampliação da escola, dá- se o aproveitamento do terreno com uma horta. O paisagismo, é orientado por um manual que descreve as características das espécies vegetais mais comumente encontráveis nos viveiros do estado. Desde grama e forrações até as árvores mais frondosas.

 

A composição da parede lateral do galpão, que capta e filtra a luz para o interior, é requintada em suas proporções. A expressão limpa mas marcante, é resultado da harmonia dos elementos pré fabricados de cimento enquadrados pela viga calha de concreto e pela estrutura, também em concreto aparente. Esse conjunto é ainda emoldurado pela cor azul presente nas telhas metálicas pré pintadas da cobertura do galpão e pela cerâmica do revestimento das empenas cegas. Os materiais de acabamento são cadastrados em função da confirmação de continuidade de produção pelos fabricantes. São as eventuais reposições que ficam asseguradas com a escolha desses materiais.

 
     

As vigas da estrutura metálica apresentam um bom acabamento, com seus elementos formando um conjunto elegante. A utilização de estruturas metálicas só foi permitida a partir da década de noventa, com o barateamento dos custos das mesmas.
Observa-se a discreta presença de paredes “leves”, destinadas a aliviar a estrutura. Mais uma vez o trabalho de projeto é facilitado.

As crianças têm uma outra escala e podemos perceber nesta foto, onde os quadros de avisos, ao alcance dos adultos, não ficam escondidos pela aglomeração dos alunos.
A sinalização visual é orientada pelo manual específico e a escolha de cores e tintas, fica a cargo do arquiteto.
A caixa d’água, que aqui apresenta a solução volumétrica e estrutural padronizada, não dispõe em suas faces a pintura da letra “e”, destinada a funcionar como marco referencial da escola pública. A localização dos edifícios escolares nas regiões periféricas é sempre difícil para os que não estão familiarizados com os mesmos.


Flexibilidade nas escolas e as demais obras públicas padronizadas

As imagens que seguem são fotomontagens elaboradas a partir das elevações do projeto, colocadas frente a um fundo aleatório e coloridas sem fidelidade ao projeto. Buscam relacionar o projeto de arquitetura escolar a um contexto urbano qualquer, com a intenção de valorizar o desenho do arquiteto. A arquitetura apresenta uma solução elegante em seus volumes e também se utiliza de ícones que lhe atribuem uma inequívoca contemporaneidade. A solução mostra-se uma consolidada opção ao mesmo tempo em que flexibiliza a padronização da arquitetura escolar. Essa flexibilidade da metodologia foi explorada também nos demais projetos do plano Ano1 do Banco Mundial e nas escolas construídas na década de 90, no estado de São Paulo. Essa flexibilidade foi explorada pelos arquitetos que assim diferenciaram as escolas das demais construções públicas, tais como postos de saúde, de polícia, etc, que se utilizam de uma padronização de ambientes e componentes advinda da metodologia do setor escolar. A diferença dos resultados é fruto das diferenças na forma de gerenciamento dos projetos em cada órgão. Enquanto na FDE o processo inicia-se pelos projetos, nas demais construções públicas são licitadas primeiramente as obras, com a contratação dos projetos feitas a posteriori, pelas empresas vencedoras das licitações das obras. O assunto foi estudado na dissertação de mestrado do autor deste artigo encontrando-se o título nas referências bibliográficas.

A Planta

O projeto organiza os setores pedagógico, vivência, administrativo e de serviços em dois blocos e dois pavimentos.
No piso superior , meio lance acima do acesso da rua está a administração e os serviços e também parte do pedagógico.
No piso térreo, o setor pedagógico, as salas especiais e o setor de vivência relacionam-se com uma implantação bem distribuída de praça, recreio descoberto, quadra desportiva e estacionamento. Êsses equipamentos relacionam-se ainda com uma praça situada à frente do terreno em atividades que podem envolver a comunidade vizinha.

A topografia permitiu que toda a superfície do terreno pudesse ser utilizada e ao lado do setor pedagógico foi deixado espaço para futura expansão do mesmo.


Comentários

Projetos como esse estão ameaçados de se tornarem cada vez mais raros, seja pela exiguidade e topografia dos terrenos que têm sido oferecidos à construção de escolas, seja pela lei de licitações que cada vez mais desestimula a elaboração de projetos arquitetônicos.
Com a municipalização da educação a responsabilidade pela construção de escolas tem passado para prefeituras que não dispõem em seus quadros técnicos de pessoal especializado para análise dos projetos. No panorama atual e futuro vê-se uma forma de seleção de projetos onde o fator custo tem mais importância que a qualidade do projeto.


Referências Bibliográficas

___________ Arquitetura Escolar e Política Educacional – Os programas na atual administração do Estado. São Paulo, FDE, 1998.

____________ Catálogo de Componentes e Serviços – Boletim 12- São Paulo: FDE, 1988.

____________ Especificações da Edificação Escolar de Primeiro Grau – Vegetação e Paisagismo. São Paulo: FDE,1990.

____________ Especificações da Edificação Escolar de Primeiro Grau – Ambientes - São Paulo: FDE, 1992.

_____________Especificações da Edificação Escolar de Primeiro Grau – Identidade Visual/ Sinalização. São Paulo: FDE, 1990.

_________________Escolas Estaduais de 1º Grau Projetos Arquitetônicos 96/97 – São Paulo, FDE. 1997.

CORREA, MARIA ELIZABETH PEIRÃO. Arquitetura Escolar Paulista: 1890 – 1920, São Paulo FDE, 1991.

RAZABONI, CARLOS AUGUSTO. Arquitetura Escolar: 60 projetos para a Região Metropolitana SP – Plano Ano1 do Banco Mundial – FDE – Fundação para o Desenvolvimento da Educação – 1991. São Paulo, 2001. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) FAU-USP.

 

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