Revista da Faculdade de Engenharia e Arquitetura
             Vol.3 N° 1 Out. 2001          ISSN 1517 - 7432
 
Meio Ambiente -Uma visão holística
Roberto de Carvalho Júnior1

Carvalho Júnior, R.de. Meio Ambiente - uma visão holística. Revista Assentamentos Humanos, Marília, v3, n. 1, p93-97, 2001.


1Engenheiro e Professor, Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela UNIMAR, Docente da FAU-SJRP e FAU-UNIRP.


No dia 05 de Junho, se comemora o dia do meio ambiente. Nesses dias comemorativos, além da comemoração é também importante a reflexão.
Há vários anos, desde que comecei minhas pesquisas sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável, tenho refletido muito sobre o futuro da humanidade. Não quero, de forma alguma, passar para os leitores a imagem de “profeta do apocalipse”, mas, como pesquisador, tenho a obrigação de alertá-los para o que vem aí pela frente, pois a situação mundial é extremamente preocupante, ou melhor, alarmante. Então, neste dia, vamos comemorar o que? O impacto do plano de racionamento de energia elétrica. Talvez seja melhor comemorarmos mesmo, senão teríamos um “apagão” permanente de cinco horas diárias. Se isso acontecer, pode gerar uma crise social, política e econômica, como só os paises em guerra enfrentaram. A falta de investimentos no setor bem como a falta de conscientização da população brasileira que se acostumou com a fartura de energia e água, e agora não sabe como enfrentar a escassez desses recursos, coloca-nos diante do perigo do caos urbano, que normalmente acontece nessas situações.
É obvio, que também não podemos comemorar a escassez de água e a expressiva contribuição da espécie humana na degradação dos mananciais, bem como na utilização “irracional” deste precioso líquido? Os efeitos da falta de água fresca e boa são latentes: mais de 5 milhões de pessoas morrem por ano devido a doenças relacionadas a má qualidade da água e a condições ruins de higiene e saneamento, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, cujos especialistas calculam que metade da população dos paises em desenvolvimento é afetada por moléstias originadas na mesma fonte, como diarréia, malária e esquistossomose. Em função da intervenção do homem na natureza, mais da metade dos rios do mundo está poluída ou em vias de ser exaurida, indica um informe publicado em Washington pela Comissão Mundial sobre a água no Século XXI.
No Brasil, segundo o Ministério de Saúde, a diarréia mata 50.000 crianças por ano, em sua maioria antes de completar um ano de idade. Além disso, a falta de água de qualidade e de serviços de saneamento –apenas 16% dos esgotos sanitários são tratados no país –é responsável por 65% das internações hospitalares. Além da má qualidade da água também se deve destacar que 20% da população mundial não têm acesso a água potável. Segundo a ONU, em 2025 dois terços da humanidade estarão sujeitos a problemas de abastecimento.
Também não podemos comemorar o ritmo frenético da devastação das florestas. De acordo com o Ibama, em apenas 30 anos, os “dez” maiores desmatadores da Amazônia devastaram na região uma área de floresta equivalente à da França. Pior, e mais estarrecedor ainda, é saber que esses indivíduos não estão presos. Até onde a Amazônia pode resistir? Pesquisas mostram que as ações do homem pode degradar até 95% da floresta em vinte anos e como fenômenos climáticos complicam esse quadro.
A devastação das florestas coloca em risco a biodiversidade do Planeta. A medida que o homem degrada o meio ambiente, muitas espécies estão desaparecendo. O Brasil, por exemplo, tem 26 espécies de primatas que podem desaparecer nos próximos anos. “Quando um primata é extinto, as perdas são incontáveis”, afirma o professor Cesar Ades, especialista em comportamento animal da Universidade de São Paulo. Perde-se uma fonte de conhecimento sobre o próprio homem já que um macaco e um ser humano têm histórias evolutivas muito semelhantes. O Brasil é o quarto maior exterminador de espécies do planeta, com 271 espécies ameaçadas. O grande campeão do extermínio não poderia ser outro: os Estados Unidos, com 830 espécies em risco de extinção. Antes do Brasil, ainda aparecem a Austrália com 486 espécies e a Indonésia com 379 (fonte: Veja, 14/02/2001).
Será que dá para comemorar o surgimento do buraco de ozônio sobre a Antártica (buraco, não, buracão, pois mede 28,5 milhões de quilômetros quadrados)? O fenômeno, como se sabe, é provocado pela emissão de CFC na atmosfera (o cloro presente nesse gás tem a capacidade de destruir as moléculas de ozônio). Desde a década de 80, época em que o fenômeno foi detectado pelos cientistas, o tamanho do buraco vem sendo monitorado.
Outros poluentes na atmosfera também preocupam. Especialistas em estudos climáticos esboçaram um cenário pessimista para o planeta no decorrer do século. Reunidos em Xangai, na China, eles previram que a temperatura média da Terra pode aumentar até 5,8 °C desde que as primeiras medições foram feitas até 2100. O aumento considerável do efeito estufa, provocado pela emissão de dióxido de carbono e outros gases retrata um quadro apocalíptico. No cenário mais drástico traçado pelos especialistas cabem desde previsões sobre invernos mais quentes no norte da Ásia até cataclismos em países do Terceiro Mundo. O nível dos oceanos pode subir até 80 centímetros, o que fará desaparecer sob as águas regiões como o delta dos rios Nilo, no Egito, e Ganges, na fronteira da Índia com Bangladesh. Algumas ilhas e cidades simplesmente sumiriam do mapa. Para alguns cientistas, como o professor Richard Lindzen, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, “o degêlo começou antes da revolução industrial. Desta forma, é um fenômeno natural, sobre o qual a humanidade não têm controle” (Revista Veja, 31 de Janeiro, 2001).
E a nossa produção de lixo que não para de aumentar? Nesse caso, os paises mais ricos também contribuem com mais sujeira. Em geral, os paises mais desenvolvidos produzem mais lixo domiciliar per capita (quilos por dia). Nesse campo, os Estados Unidos também é o grande campeão (3,2 quilos/pessoa/dia), seguido pela Itália (1,5 quilos/pessoa/dia), a Holanda (1,3 quilos/pessoa/dia) e o Japão (1,1 quilos/pessoa/dia). No ranking da sujeira o Brasil vem em quinto lugar com uma produção também espantosa de 1 quilo/pessoa/dia.
O prezado leitor já reparou na quantidade de sujeira e detritos que se acumula na lata de lixo da sua casa? A maioria das pessoas pensa que basta jogar o lixo na lata e o problema da sujeira vai estar resolvido. Ledo engano! O problema só começa aí. Para piorar ainda mais, o brasileiro, mau educado (com raras exceções), ainda não joga todo o lixo no lixo. Grande parte é jogado em terrenos baldios, nos mananciais e nas vias públicas. “Jogados assim, de qualquer maneira, os detritos podem provocar um grande numero de doenças. Entre elas, febre tifóide, leptospirose e as infecções de pele” diz o professor José Luiz Mucci, do Departamento de Saúde Ambiental da Universidade de São Paulo.
Para se ter uma idéia da “valiosa contribuição” com a natureza, cada brasileiro que viva até os 70 anos de idade vai produzir 25 toneladas de detritos. Como a família média no país é formada por quatro pessoas, cada lar contribuirá com 100 toneladas de lixo. São números pavorosos.
A questão é mais complexa ainda se considerarmos que as grandes cidades brasileiras não têm estrutura para encarar esse crescimento e se encontram perto de um limite. Até mesmo Rio Preto, com seus 350 mil habitantes, enfrenta esse tipo de problema. As prefeituras estão sem dinheiro para a coleta e já não há mais lugar aonde jogar lixo. Mais nefasto ainda para o meio ambiente é a seguinte constatação: com o avanço da tecnologia, materiais altamente tóxicos e de difícil degradação como plásticos, isopores, pilhas, baterias de celular e lâmpadas são presença cada vez mais constante na coleta. Também preocupa a quantidade e a destinação final dos resíduos sólidos (entulhos). Dar um destino adequado ao lixo é um dos maiores desafios da administração pública em todo o mundo. “Não há dúvida de que esse é um dos maiores problemas da sociedade moderna. É uma bomba relógio”, diz Sabetai Calderoni, economista da Universidade de São Paulo e autor de vários livros sobre o tema (Revista Veja, 17 de março, 1999).
O crescimento populacional desenfreado potencializa ainda mais os problemas ambientais e urbanos. Para os leitores terem uma idéia, estamos utilizando 1,5 dos recursos do nosso Planeta (isto significa espoliação, degradação dos recursos naturais). Estamos utilizando os recursos acima da capacidade de suporte. No inicio do século, éramos pouco menos de 2 bilhões de habitantes. Hoje, somos mais de 6 bilhões. Em 2025 haverá 8,3 bilhões de pessoas no mundo. Segundo a FAU (organização da ONU que controla comida e população no mundo), o limite biofísico do Planeta é de 12 bilhões de pessoas. Portanto, se isso ocorrer, haverá convulsões tão fortes que a vida será insuportável, haverá disputas (guerras) por espaço físico, água e comida.
O mais triste, é que mesmo diante desse dramático quadro e das apavorantes estatísticas, ainda permanecemos insensíveis e estáticos. Não somos capazes de mover uma palha para modificar essa situação. Ainda não percebemos a “insustentabilidade” dessa política do “ganha-perde”. Lamentavelmente não conseguimos despertar a eco-ética.
Então, vamos comemorar o que? Precisamos refletir! Qual o futuro que queremos? Parodiando a antológica frase do ex presidente americano, John Kennedy, é hora de perguntarmos o que cada um de nós pode fazer pelo meio ambiente, ou melhor, pela preservação da nossa espécie. Ou alguém acredita que o Planeta vai acabar?

 

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