TÉCNICA
DA PULPOTOMIA COMTROCA DO HIDRÓXIDO DE CÁLCIO
PULPOTOMYTECHNIQUE WITH CHANGE OF CALCIUM HYDROXIDE
Roberto HOLLAND*
Valdir de SOUZA*
Sueli Satomi MURATA**
A técnica da pulpotomia
é indicada para o tratamento conservador da polpa dental inflamada.
Contudo, alguns criticam a qualidade da ponte de tecido duro obtida com
o hidróxido de cálcio, argumentando que ela pode possuir defeitos
em forma de túnel, o que poderia comprometer a eficiência protetora
dessa ponte. Recentemente foi demonstrado, por meio de trabalho experimental
levado a efeito em dentes de macacos, que a realização da
troca do hidróxido de cálcio, após a obtenção
da ponte de tecido duro, pode promover nova deposição de tecido
calcificado, que sela eficientemente as imperfeições por ventura
existentes. O objetivo deste trabalho é apresentar, em dentes humanos,
a seqüência clínica dessa técnica.
UNITERMOS: Pulpotomia; Troca do hidróxido de cálcio.
A técnica da
pulpotomia objetiva remover a porção mais afetada do tecido
pulpar, geralmente a polpa coronária, preservando a vitalidade
da polpa radicular. Trata-se de técnica bastante antiga que foi
objeto de modificações com o passar do tempo. Essa técnica
passou a ser mais bem aceita com a indicação do hidróxido
de cálcio nas proteções pulpares diretas. Com o emprego
dessa droga ampliou-se a possibilidade de obtenção de êxito.
Contudo, começaram a surgir algumas dúvidas em função
da diversidade percentual de êxito que era bastante grande1,11.Em
função disso, alguns passaram a admitir que a alta porcentagem
de sucesso estaria relacionada com a idade da polpa dental. Assim, passaram
a preconizar a técnica apenas para polpas jovens, notadamente dentes
com rizogênese incompleta.14 Todavia, o maior
êxito, em casos de polpas muitojodens, foi também questionado
por alguns autores13.
Um avanço na evolução dessa técnica surgiu
ao observar-se que a porcentagem de êxito em polpas sãs ou
pouco inflamadas era bem mais elevada do que em polpas com infiltrado
inflamatório moderado a severo. Esse problema passou a ser controlado
com o emprego de um curativo de corticosteróide, antecedendo a
aplicação do hidróxido de cálcio.7,
15 VAN HASSEL; MCHUGHl16( 1972) demonstraram que o grande problema
da polpa dental relaciona-se com sua situação geográfica,
pois ela encontra-se aprisionada entre paredes duras e inestensivas. Assim,
foi observado que com o emprego tópico de corticosteróide
podia-se controlar o nível da pressão interna da polpa dental,
a qual atingiria patamares altos na ausência desse fármaco.
'
Passamos a preconizar, então, a realização da técnica
da pulpotomia em duas sessões: na primeira sessão é
feita a pulpotomia e aplicação de um curativo à base
de corticosteróide-antibiótico por um período de
2 a 7 dias, ocasião em que o curativo é substituído
pelo hidróxido de cálcio.7
No entanto, dentre algumas críticas à técnica, houve
quem questionasse a proteção oferecida pela ponte de tecido
duro que se forma após o processo de reparo. A principal crítica
era que a ponte formada exibia permeabilidade,5
principalmente por exibir defeitos em forma de túnel.3
Quanto à permeabilidade, devemos entender que toda dentina é
mais ou menos permeável, e nem por isso deixa de constituir boa
proteção ao tecido pulpar. Objetivando analisar essa questão
obtivemos experimentalmente pontes de tecido duro em dentes de macacos,
as quais foram posteriormente expostas por 30 dias ao meio oral.8
Os resultados evidenciaram excelente proteção, exceção
feita àquelas que possuíam defeitos em forma de túnel
perfurando a ponte de um ao outro lado. Observamos que os defeitos em
forma de túnel são comuns, mas aqueles que perfuram totalmente
a ponte são em número mais reduzido. Contudo, quando presentes,
podem contribuir para comprometer o tratamento, se houver contaminação
bacteriana. Surgiu então a idéia de procurar reparar esses
defeitos por meio da realização de uma troca do hidróxido
de cálcio. Isso foi feito experimentalmente, tendo sido comprovado
que a porção coronária desses defeitos pode ser selada
de modo eficiente, com neoformação de tecido duro, após
a realização de uma troca do hidróxido de cálcio.'°
Considerando a importância do que foi descrito, é objetivo
deste trabalho descrever a nova técnica da pulpotomia com troca
de hidróxido de cálcio.
Foram realizados pelos autores deste trabalho vários casos de pulpotomia
em dentes humanos, com polpas expostas ou inflamadas. Durante a troca
do hidróxido de cálcio, efetuada 30 dias após a proteção
pulpar, constatou-se clinicamente a presença de pontes de tecido
duro em todos os casos. O controle posterior mostrou ausência de
sintomatologia, aliado à presença de aspectos radiográficos
normais. Esses três aspectos, presença da ponte de tecido
duro, ausência de dor e aspecto radiográfico normal, constituíram
dados fundamentais para que os casos tratados fossem considerados exitosos.
Neste trabalho a técnica mencionada será ilustrada por meio
de um desses casos.
1 ) Paciente do sexo feminino, de 25 anos de idade, molar inferior direito
portador de extensa lesão cariosa, com exposição
pulpar e pequena hiperplasia desse tecido. O paciente relatou haver dores
provocadas e ocasionais surtos de dor expontânea (Figura 1 ).
2) Após a realização da anestesia foi feita a remoção
de todo tecido cariado, mas também acabou sendo removida parte
do tecido hiperplasiado (Figuras 2 e 3).
3) Seguiu-se o isolamento absoluto e antissepsia do campo operatório
(Figura 4).
4) Com o auxílio de uma cureta bem afiada, de
dimensão apropriada ao caso, procedeu-se à excisão
da polpa coronária. Esse ato é efetuado pressionando-se
a porção cortante da cureta junto ao tecido pulpar e paredes
do assoalho e laterais da câmara pulpar.
Figura
1 - Segundo molar inferior direito com extensa lesão
cariosa e
exposição da polpa
dental, que exibe pequena hiperplasia.
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Figura
2 - Aspecto após a remoção do tecido
cariado.
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Figura
3 - Outra vista do mesmo caso detalhando o tecido
pulpar exposto.
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Figura
4 - Dente após o isolamento absoluto.
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Figura
5 - Remoção da polpa coronária com o
auxílio de uma
cureta bem afiada e de dimensões apropriadas.
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Figura
6 - Visão da superfície coronária dos
remanescentes pulpares.
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Figura
7 - Colocação de bolinha de algodão autoclavada
e embebida
em solução de corticosteróide-antibiótico
sobre os remanescentes pulpares.
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A polpa coronária
é removida no sentido apico-coronário somente após
seu perfeito seccionamento (Figura 5). Essa tração, feita
antes do momento apropriado, pode até fazer uma pulpectomia ou,
o que é pior, pode apenas deslocar parcialmente a polpa radicular
que, ali permanecendo, irá necrosar.
A remoção da polpa coronária deve ser feita de preferência
com curetas porque com o uso de brocas, principalmente de baixa rotação,
libera-se grande quantidade de raspas de dentina que até podem
comprometer o resultado do tratamento.7
5) Removida a polpa coronária, seguem-se abundantes irrigações
com soro fisiológico, até conter a hemorragia (Figura 6).
Isso feito, chegase ao momento mais importante do diagnóstico clínico.
Visualmente deve-se inspecionar, sob abundante iluminação,
o aspecto da superfície coronária do remanescente pulpar.
Ele precisa apresentar consistência (não exibir aspecto pastoso
ou liqüefeito), coloração rósea ou avermelhada,
e deve sangrar durante o corte, liberando sangue com coloração
vermelho vivo (ausência de sangramento, líqüido muito
claro ou muito escuro são sinais desfavoráveis).6
6~0 passo seguinte consiste em aplicar-se sobre os remanescentes pulpares
algumas gotas de uma associação corticosteróide-antibiótico.
Damos preferência ao Otosporin, por possuir grande poder de penetração,
o que, teoricamente, poderia até contribuir para que se optasse,
eventualmente, por uma aplicação de 5 minutos, seguida da
aposição do hidróxido de cálcio. Em saúde
pública isso seria muito importante porque poderíamos passar
de 3 para 2 sessões. No caso presente, após a aplicação
do curativo com uma bolinha de algodão (Figura 7), ele foi protegido
com uma placa de guta percha (Figura 8), sendo a cavidade selada com óxido
de zinco e eugenol (Figura 9).
7) Decorridos 7 dias o curativo foi removido (Figura 10), os remanescentes
pulpares foram recobertos com hidróxido de cálcio (Figura
11 ), o qual foi protegido com uma camada de cimento à base de
hidróxido de cálcio (Life), sendo a cavidade selada com
cimento de óxido de zinco e eugenol.
Figura 8 - Proteção do curativo com uma placa
de
guta-percha esterilizada.
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Figura
9 - Selamento da cavidade com cimento de óxido
de zinco e eugenol.
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Figura
10 - Aspécto após a remoção do
curativo de
corticosteróideantibiótico.
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Figura
11 - Recobrimento dos remanescentes pulpares
com hidróxido de cálcio.
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8) Decorridos mais 30 dias, o paciente retornou. O selamento permanecia
em posição (Figura 12), o que permitiu a seqüência
do tratamento, com a realização do isolamento absoluto,
remoção do selamento, da pasta de hidróxido de cálcio
e inspeção clínica das pontes de tecido duro (Figura
13). As pontes foram então capeadas com novo hidróxido de
cálcio (Figura 14), a cavidade selada com cimento de óxido
de zinco e eugenol (Figura 15) e o dente restaurado com amálgama
(Figura 16).
A técnica abordada
é uma evolução da técnica por nós preconizada
há longo tempo.15 Os resultados da pulpotomia
realizada em 2 sessões são otimistas do ponto de vista clínico,
pois apontam êxito entre 85 e 90%.12, 17.
Contudo, não podemos deixar de admitir a possibilidade de ocorrer
defeitos em forma de túnel, como salientam alguns autores.3
Embora saibamos que esses defeitos geralmente encontram-se selados em
suas porções mais coronárias, há casos em
que isso não ocorre.
Figura 12 - Aspecto do dente 30 dias após.
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Figura
13 - Isolamento com dique de borracha e remoção
do
material selador e do hidróxido de cálcio. Notar
presença de
ponte de tecido duro.
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Figura
14 - Colocação de pasta de hidróxido
de cálcio
sobre a ponte de tecido duro.
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Figura
15 - Selamento da cavidade
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Figura
16 - Dente restaurado com amálgama.
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Essa situação
pode permanecer sem problemas por tempo indefinido. Contudo, se houver
infiltração coronária de bactérias, os problemas
advirão. Assim, o ideal seria promovermos o selamento dessas imperfeições,
o que pode ser obtido com a troca do hidróxido de cálcio.'°
Sem dúvida, essa técnica da pulpotomia em 3 sessões
seria mais segura do que a técnica em 2 sessões, pelos motivos
já esclarecidos. No entanto, a técnica da pulpotomia, no
nosso entender, é um procedimento extremamente útil para
o atendimento odontológico social do nosso país, que normalmente
não oferece à população da classe mais carente
o tratamento endodôntico.7 Assim sendo, a
pulpotomia, que é um procedimento de prevenção ao
tratamento endodôntico, seria bemvinda. Contudo, a técnica,
como aqui apresentada teria, no serviço público, alguns
inconvenientes. Poderíamos enumerar 2 deles: o excesso de sessões
e o uso do dique de borracha. Se reduzirmos para 2 sessões e nas
duas aplicarmos o hidróxido de cálcio, poderemos trocar
o isolamento com dique de borracha pelo relativo, com rolos de algodão.
Foi demonstrado, por meio de trabalho experimental, que a contaminação
produzida propositalmente durante o ato operatório é eliminada
com a aplicação do hidróxido de cálcio.2,13
Assim, em saúde pública poderia ser feito pulpotomia em
2 sessões. Na 1a, após a remoção da polpa
coronária e aplicação da associação
corticosteróide-antibiótico por 5 minutos, seria aposto
o hidróxido de cálcio (p.a.) e selamento provisório
com OZE. Essa aplicação do corticosteróide por curto
tempo estaria baseada no grande poder de penetração do Otosporin9
e na rápida difusão do corticosteróide pela polpa
dental, anteriormente demonstrada.4
Trinta dias após,
o paciente retornaria para restaurar o dente. Na ocasião, o hidróxido
de cálcio seria trocado e efetuada a restauração.
Esses dois procedimentos seriam efetuados sem dique de borracha. Essa
proposta seria válida até o dia em que o atendimento social
passasse a permitir a realização da pulpotomia em 3 sessões
(com dique de borracha) e, quando não viável a pulpotomia,
a realização do tratamento endodôntico radical. Gostaríamos
muito de presenciar esse dia.
1. A pulpotomia é
uma técnica de tratamento conservador da polpa dental inflamada
que permite a obtenção de alta cifra de êxito;
2. O êxito do tratamento pode ser aprimorado por
meio da técnica aqui descrita, que preconiza a troca do hidróxido
de cálcio, após a obtenção da ponte de tecido
duro, com o objetivo de reparar imperfeições dessa ponte;
3. A técnica apresentada pode ser adaptada para o serviço
de atendimento odontológico social, permitindo a prevenção
do tratamento éndodôntico em muitos casos.
The pulpotomy technique
is indicated for the conservative treatment of inflamed dental
pulp. However, some criticise the quality of the hard tissue bridge formed
with calcium hydroxide, saying it may have tunnel defects, which can compromise
the protecting efficency of the bridge. Recently, an experimental research
in monkey teeth demonstrated that a change of calcium hydroxide, after the
formation of the hard tissue bridge, can promote new hard tissue deposition
that repairs efficiently the tunnel defects of the bridge, if they are.
The subject of this paper is to show, in human teeth, a clinical sequence
of the related technique.
UNITERMS: Pulpotomy; Change of calcium hydroxide.
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Roberto Holland, Docente do Curso de Pós-Graduação
em Clínicas Odontológicas da UNIMAR. Marília-SP,
Brasil.
* Professores do Curso de Pós-Graduação em Clínicas
Odontológicas da UNIMAR, Marília-SP, Brasil.
** Estagiária da Disciplina de Endodontia da UNIP - Araçatuba-SP,
Brasil.
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