Revista da Faculdade de Ciências Odontológicas   Marília/SP, ano 2 , n°2, 1999 ISSN 1516-5639
     

TÉCNICA DA PULPOTOMIA COMTROCA DO HIDRÓXIDO DE CÁLCIO

PULPOTOMYTECHNIQUE WITH CHANGE OF CALCIUM HYDROXIDE


Roberto HOLLAND*
Valdir de SOUZA*
Sueli Satomi MURATA**


A técnica da pulpotomia é indicada para o tratamento conservador da polpa dental inflamada. Contudo, alguns criticam a qualidade da ponte de tecido duro obtida com o hidróxido de cálcio, argumentando que ela pode possuir defeitos em forma de túnel, o que poderia comprometer a eficiência protetora dessa ponte. Recentemente foi demonstrado, por meio de trabalho experimental levado a efeito em dentes de macacos, que a realização da troca do hidróxido de cálcio, após a obtenção da ponte de tecido duro, pode promover nova deposição de tecido calcificado, que sela eficientemente as imperfeições por ventura existentes. O objetivo deste trabalho é apresentar, em dentes humanos, a seqüência clínica dessa técnica.
UNITERMOS: Pulpotomia; Troca do hidróxido de cálcio.


   INTRODUÇÃO

A técnica da pulpotomia objetiva remover a porção mais afetada do tecido pulpar, geralmente a polpa coronária, preservando a vitalidade da polpa radicular. Trata-se de técnica bastante antiga que foi objeto de modificações com o passar do tempo. Essa técnica passou a ser mais bem aceita com a indicação do hidróxido de cálcio nas proteções pulpares diretas. Com o emprego dessa droga ampliou-se a possibilidade de obtenção de êxito. Contudo, começaram a surgir algumas dúvidas em função da diversidade percentual de êxito que era bastante grande1,11.Em função disso, alguns passaram a admitir que a alta porcentagem de sucesso estaria relacionada com a idade da polpa dental. Assim, passaram a preconizar a técnica apenas para polpas jovens, notadamente dentes com rizogênese incompleta.14 Todavia, o maior êxito, em casos de polpas muitojodens, foi também questionado por alguns autores13.
Um avanço na evolução dessa técnica surgiu ao observar-se que a porcentagem de êxito em polpas sãs ou pouco inflamadas era bem mais elevada do que em polpas com infiltrado inflamatório moderado a severo. Esse problema passou a ser controlado com o emprego de um curativo de corticosteróide, antecedendo a aplicação do hidróxido de cálcio.7, 15 VAN HASSEL; MCHUGHl16( 1972) demonstraram que o grande problema da polpa dental relaciona-se com sua situação geográfica, pois ela encontra-se aprisionada entre paredes duras e inestensivas. Assim, foi observado que com o emprego tópico de corticosteróide podia-se controlar o nível da pressão interna da polpa dental, a qual atingiria patamares altos na ausência desse fármaco. '
Passamos a preconizar, então, a realização da técnica da pulpotomia em duas sessões: na primeira sessão é feita a pulpotomia e aplicação de um curativo à base de corticosteróide-antibiótico por um período de 2 a 7 dias, ocasião em que o curativo é substituído pelo hidróxido de cálcio.7
No entanto, dentre algumas críticas à técnica, houve quem questionasse a proteção oferecida pela ponte de tecido duro que se forma após o processo de reparo. A principal crítica era que a ponte formada exibia permeabilidade,5 principalmente por exibir defeitos em forma de túnel.3 Quanto à permeabilidade, devemos entender que toda dentina é mais ou menos permeável, e nem por isso deixa de constituir boa proteção ao tecido pulpar. Objetivando analisar essa questão obtivemos experimentalmente pontes de tecido duro em dentes de macacos, as quais foram posteriormente expostas por 30 dias ao meio oral.8 Os resultados evidenciaram excelente proteção, exceção feita àquelas que possuíam defeitos em forma de túnel perfurando a ponte de um ao outro lado. Observamos que os defeitos em forma de túnel são comuns, mas aqueles que perfuram totalmente a ponte são em número mais reduzido. Contudo, quando presentes, podem contribuir para comprometer o tratamento, se houver contaminação bacteriana. Surgiu então a idéia de procurar reparar esses defeitos por meio da realização de uma troca do hidróxido de cálcio. Isso foi feito experimentalmente, tendo sido comprovado que a porção coronária desses defeitos pode ser selada de modo eficiente, com neoformação de tecido duro, após a realização de uma troca do hidróxido de cálcio.'° Considerando a importância do que foi descrito, é objetivo deste trabalho descrever a nova técnica da pulpotomia com troca de hidróxido de cálcio.
Foram realizados pelos autores deste trabalho vários casos de pulpotomia em dentes humanos, com polpas expostas ou inflamadas. Durante a troca do hidróxido de cálcio, efetuada 30 dias após a proteção pulpar, constatou-se clinicamente a presença de pontes de tecido duro em todos os casos. O controle posterior mostrou ausência de sintomatologia, aliado à presença de aspectos radiográficos normais. Esses três aspectos, presença da ponte de tecido duro, ausência de dor e aspecto radiográfico normal, constituíram dados fundamentais para que os casos tratados fossem considerados exitosos. Neste trabalho a técnica mencionada será ilustrada por meio de um desses casos.
1 ) Paciente do sexo feminino, de 25 anos de idade, molar inferior direito portador de extensa lesão cariosa, com exposição pulpar e pequena hiperplasia desse tecido. O paciente relatou haver dores provocadas e ocasionais surtos de dor expontânea (Figura 1 ).
2) Após a realização da anestesia foi feita a remoção de todo tecido cariado, mas também acabou sendo removida parte do tecido hiperplasiado (Figuras 2 e 3).
3) Seguiu-se o isolamento absoluto e antissepsia do campo operatório (Figura 4).
4) Com o auxílio de uma cureta bem afiada, de
dimensão apropriada ao caso, procedeu-se à excisão da polpa coronária. Esse ato é efetuado pressionando-se a porção cortante da cureta junto ao tecido pulpar e paredes do assoalho e laterais da câmara pulpar.

Figura 1 - Segundo molar inferior direito com extensa lesão cariosa e
exposição da
polpa dental, que exibe pequena hiperplasia.

Figura 2 - Aspecto após a remoção do tecido cariado.

Figura 3 - Outra vista do mesmo caso detalhando o tecido
pulpar exposto.

Figura 4 - Dente após o isolamento absoluto.

Figura 5 - Remoção da polpa coronária com o auxílio de uma
cureta bem afiada e de dimensões apropriadas
.

Figura 6 - Visão da superfície coronária dos
remanescentes pulpares.

Figura 7 - Colocação de bolinha de algodão autoclavada e embebida
em solução de corticosteróide-antibiótico sobre os remanescentes pulpares.

 

A polpa coronária é removida no sentido apico-coronário somente após seu perfeito seccionamento (Figura 5). Essa tração, feita antes do momento apropriado, pode até fazer uma pulpectomia ou, o que é pior, pode apenas deslocar parcialmente a polpa radicular que, ali permanecendo, irá necrosar.
A remoção da polpa coronária deve ser feita de preferência com curetas porque com o uso de brocas, principalmente de baixa rotação, libera-se grande quantidade de raspas de dentina que até podem comprometer o resultado do tratamento.7
5) Removida a polpa coronária, seguem-se abundantes irrigações com soro fisiológico, até conter a hemorragia (Figura 6). Isso feito, chegase ao momento mais importante do diagnóstico clínico. Visualmente deve-se inspecionar, sob abundante iluminação, o aspecto da superfície coronária do remanescente pulpar. Ele precisa apresentar consistência (não exibir aspecto pastoso ou liqüefeito), coloração rósea ou avermelhada, e deve sangrar durante o corte, liberando sangue com coloração vermelho vivo (ausência de sangramento, líqüido muito claro ou muito escuro são sinais desfavoráveis).6
6~0 passo seguinte consiste em aplicar-se sobre os remanescentes pulpares algumas gotas de uma associação corticosteróide-antibiótico. Damos preferência ao Otosporin, por possuir grande poder de penetração, o que, teoricamente, poderia até contribuir para que se optasse, eventualmente, por uma aplicação de 5 minutos, seguida da aposição do hidróxido de cálcio. Em saúde pública isso seria muito importante porque poderíamos passar de 3 para 2 sessões. No caso presente, após a aplicação do curativo com uma bolinha de algodão (Figura 7), ele foi protegido com uma placa de guta percha (Figura 8), sendo a cavidade selada com óxido de zinco e eugenol (Figura 9).
7) Decorridos 7 dias o curativo foi removido (Figura 10), os remanescentes pulpares foram recobertos com hidróxido de cálcio (Figura 11 ), o qual foi protegido com uma camada de cimento à base de hidróxido de cálcio (Life), sendo a cavidade selada com cimento de óxido de zinco e eugenol.


Figura 8 - Proteção do curativo com uma placa de
guta-percha esterilizada.

 

Figura 9 - Selamento da cavidade com cimento de óxido
de zinco e eugenol.

Figura 10 - Aspécto após a remoção do curativo de
corticosteróideantibiótico.

 

Figura 11 - Recobrimento dos remanescentes pulpares
com hidróxido de cálcio.


8) Decorridos mais 30 dias, o paciente retornou. O selamento permanecia em posição (Figura 12), o que permitiu a seqüência do tratamento, com a realização do isolamento absoluto, remoção do selamento, da pasta de hidróxido de cálcio e inspeção clínica das pontes de tecido duro (Figura 13). As pontes foram então capeadas com novo hidróxido de cálcio (Figura 14), a cavidade selada com cimento de óxido de zinco e eugenol (Figura 15) e o dente restaurado com amálgama (Figura 16).


   DISCUSSÃO

A técnica abordada é uma evolução da técnica por nós preconizada há longo tempo.15 Os resultados da pulpotomia realizada em 2 sessões são otimistas do ponto de vista clínico, pois apontam êxito entre 85 e 90%.12, 17. Contudo, não podemos deixar de admitir a possibilidade de ocorrer defeitos em forma de túnel, como salientam alguns autores.3 Embora saibamos que esses defeitos geralmente encontram-se selados em suas porções mais coronárias, há casos em que isso não ocorre.


Figura 12 - Aspecto do dente 30 dias após.

 

Figura 13 - Isolamento com dique de borracha e remoção do
material selador e do hidróxido de cálcio. Notar presença de
ponte de tecido duro.

Figura 14 - Colocação de pasta de hidróxido de cálcio
sobre a ponte de tecido duro.

 

Figura 15 - Selamento da cavidade

 

Figura 16 - Dente restaurado com amálgama.

 

 

Essa situação pode permanecer sem problemas por tempo indefinido. Contudo, se houver infiltração coronária de bactérias, os problemas advirão. Assim, o ideal seria promovermos o selamento dessas imperfeições, o que pode ser obtido com a troca do hidróxido de cálcio.'°
Sem dúvida, essa técnica da pulpotomia em 3 sessões seria mais segura do que a técnica em 2 sessões, pelos motivos já esclarecidos. No entanto, a técnica da pulpotomia, no nosso entender, é um procedimento extremamente útil para o atendimento odontológico social do nosso país, que normalmente não oferece à população da classe mais carente o tratamento endodôntico.7 Assim sendo, a pulpotomia, que é um procedimento de prevenção ao tratamento endodôntico, seria bemvinda. Contudo, a técnica, como aqui apresentada teria, no serviço público, alguns inconvenientes. Poderíamos enumerar 2 deles: o excesso de sessões e o uso do dique de borracha. Se reduzirmos para 2 sessões e nas duas aplicarmos o hidróxido de cálcio, poderemos trocar o isolamento com dique de borracha pelo relativo, com rolos de algodão. Foi demonstrado, por meio de trabalho experimental, que a contaminação produzida propositalmente durante o ato operatório é eliminada com a aplicação do hidróxido de cálcio.2,13 Assim, em saúde pública poderia ser feito pulpotomia em 2 sessões. Na 1a, após a remoção da polpa coronária e aplicação da associação corticosteróide-antibiótico por 5 minutos, seria aposto o hidróxido de cálcio (p.a.) e selamento provisório com OZE. Essa aplicação do corticosteróide por curto tempo estaria baseada no grande poder de penetração do Otosporin9 e na rápida difusão do corticosteróide pela polpa dental, anteriormente demonstrada.4

Trinta dias após, o paciente retornaria para restaurar o dente. Na ocasião, o hidróxido de cálcio seria trocado e efetuada a restauração. Esses dois procedimentos seriam efetuados sem dique de borracha. Essa proposta seria válida até o dia em que o atendimento social passasse a permitir a realização da pulpotomia em 3 sessões (com dique de borracha) e, quando não viável a pulpotomia, a realização do tratamento endodôntico radical. Gostaríamos muito de presenciar esse dia.

 

   CONCLUSÕES

1. A pulpotomia é uma técnica de tratamento conservador da polpa dental inflamada que permite a obtenção de alta cifra de êxito;
2. O êxito do tratamento pode ser aprimorado por
meio da técnica aqui descrita, que preconiza a troca do hidróxido de cálcio, após a obtenção da ponte de tecido duro, com o objetivo de reparar imperfeições dessa ponte;
3. A técnica apresentada pode ser adaptada para o serviço de atendimento odontológico social, permitindo a prevenção do tratamento éndodôntico em muitos casos.


The pulpotomy technique is indicated for the conservative treatment of inflamed dental
pulp. However, some criticise the quality of the hard tissue bridge formed with calcium hydroxide, saying it may have tunnel defects, which can compromise the protecting efficency of the bridge. Recently, an experimental research in monkey teeth demonstrated that a change of calcium hydroxide, after the formation of the hard tissue bridge, can promote new hard tissue deposition that repairs efficiently the tunnel defects of the bridge, if they are. The subject of this paper is to show, in human teeth, a clinical sequence of the related technique.
UNITERMS: Pulpotomy; Change of calcium hydroxide.


  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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15. SOUZA, V.; HOLLAND, R. Treatment of the inflamed dental pulp. Aust. Dent. J., v.19, p.191-6, 1974.
16. VAN HASSEL, H. J.; McHUGH, J. W. Effect of
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17. VIEIRA, M. S. Pulpotomia em duas sessões na clínica de Endodontia da marinha. Reu. Naua1 Odontol., v. 1, p.37-8, 1985.
Roberto Holland, Docente do Curso de Pós-Graduação em Clínicas Odontológicas da UNIMAR. Marília-SP, Brasil.


* Professores do Curso de Pós-Graduação em Clínicas Odontológicas da UNIMAR, Marília-SP, Brasil.
** Estagiária da Disciplina de Endodontia da UNIP - Araçatuba-SP, Brasil.

 

     
 

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