Revista da Faculdade de Ciências Odontológicas   Marília/SP, ano 2 , n°2, 1999 ISSN 1516-5639
     

INFLUÊNCIA DE CORANTES SOBRE A TRANSLUCIDEZ DE RESINAS
COMPOSTAS *


Edson Alves de CAMPOS **
Lícia Ney PIZZOCOLO **
Ricardo Negrão LUTTI **
Sizenando de Toledo PORTO NETO **
Marcelo Ferrarezi de ANDRADE


No presente trabalho foram avaliados os efeitos de diversos tipos de corantes (refrigerante, vinho, café e antisséptico bucal) sobre a translucidez de resinas compostas micro-híbridas e de micropartículas. Foram confeccionados corpos de prova com os materiais e então submetidos à imersão nos respectivos meios, com tempos de observação ao início e após 1, 10, 31 e 90 dias. Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância e teste de Duncan. O vinho foi a substância que provocou maior manchamento, seguido pelo café, refrigerante e antaséptico, sendo este último o que apresentou maiores valores percentuais de translucidez. Ambas as resinas estudadas apresentaram translucidez alterada em função do tempo.

PALAVRAS-CHAVE: Resina composta, corantes, translucidez.



   INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas os princípios estéticos têm se tornado cada vez mais importantes e a boa aparência passou a constituir uma necessidade em um mundo social e economicamente competitivo. Essa exigência social de uma odontologia mais estética começou a despertar a necessidade fundamental para o dentista do conhecimento da cor com sua natureza tridimensional e fatores influentes, para que possa obter melhores resultados através da aplicação da tecnologia existente.
Pilkington,36 em 1936, definiu a estética em Dentística Restauradora como sendo a ciência de copiar ou harmonizar as restaurações com as estruturas dentais, de tal forma que o trabalho executado se torne imperceptível. Desde 1963, com a introdução das resinas compostas na odontologia por Bowen,3 esse material tem sido intensamente utilizado, principalmente em função de suas propriedades estéticas. Entretanto, nota-se que apesar do desenvolvimento tecnológico dos dias atuais, as resinas compostas necessitam ainda de maiores investigações com objetivo de melhorar as suas propriedades. Embora as resinas compostas apresentem algumas vantagens sobre os demais materiais estéticos usados até então,g evidenciam ainda acentuada alteração de cor, principalmente sob a ação da má higiene oral, dos
raios ultravioletas, 5, 29, 30 e também pela impregnação de corantes oriundos dos alimentos.6,8,31 Deve-se ainda considerar a influência do processo de sorpção de água pelas resinas com a consequente retenção de corantes.37 Por essa razão, Braden4 e Santos38 afirmam que a sorpção se torna preocupante a partir do momento em que possa interferir com outras propriedades, principalmente a estabilidade de cor e a resistência ao manchamento. Consideram também que a água sorvida pode, além de provocar alteração de cor, provocar ainda o enfraquecimento da união resina/carga resultando em redução da translucidez do material, carregando produtos corados para o interior da matriz de resina, propiciando o aparecimento de manchas difíceis de serem removidas.


   PROPOSIÇÃO

O objetivo deste trabalho é avaliar a intluência de vários tipos de corantes (café, refrigerante, vinho tinto e antisséptico) sobre a translucidez da resina composta.


   MATERIAL E MÉTODO

Para a realização deste trabalho foram utilizados dois tipos diferentes de resinas compostas restauradoras: Charisma-Kulzer (M 1 ) e Durafill Kulzer (M2), na cor A2 (ESCALA VITA) , com base nas informações de Silva,40 dada a importância da escolha da cor na avaliação da translucidez do material e também para que esse fator não interferisse nos resultados das leituras. Para a confecção dos corpos de prova foram utilizadas matrizes de aço inoxidável, em forma de anel , com 10 mm de diâmetro e 2 mm de espessura . Com o auxílio de uma espátula de teflon as resinas eram inseridas na matriz e acondicionadas entre duas placas de vidro revestidas com lâminas de poliéster. Sobre as placas era colocado um peso de 1000g por 1 minuto. Após esse tempo o peso era removido e a resina fotopolimerizada por 40 segundos em cada face. Após essa polimerização inicial, as placas de vidro e as tiras de poliéster eram removidas, executando-se uma nova polimerização por 40 segundos em cada face. Decorrido o tempo de polimerização , o corpo de prova era colocado em um recipiente contendo saliva artificial e acondicionado em estufa à 37° C por 1 dia até o início das leituras de translucidez. Cabe salientar que antes da leitura de translucidez , os corpos de prova eram lavados em água corrente e o excesso de água removido com toalha absorvente .
Para a obtenção dos valores de translucidez (em porcentagem) , utilizou-se o aparelho de "JOUAN"
(JOUAN- Paris - série 021 A/ 10), seguindo a orientação de Silva40 e Gabrielli.22
Após a leitura inicial da translucidez , realizada 24 horas após a confecção dos corpos de prova que ficaram mantidos em saliva artificial, foi feita a imersão dos mesmos nos respectivos meios (Il-Coca-Cola, I2-vinho tinto, I3-café, I4-Listerine), em recipientes individuais para cada corpo de prova , sendo estes mantidos em estufa a 37°C. As soluções foram trocadas por outras sem uso a cada 7 dias. As leituras da translucidez foram feitas em detérminados períodos, sendo: TO-inicial; T1-1 dia em imersão; T2-10 dias em imersão; T3-31 dias em imersão; e T4-90 dias em imersão.
Os dados obtidos para os valores de translucidez foram submetidas à análise de variância com nível de significância de 5%, e teste de Duncan.

   RESULTADO

Os resultados dos valores de translucidez são mostrados na Tabela 1 , a seguir:
O fator " Imersão" apresentou variabilidade ou seja, pelo menos um dos meios utilizados apresentou variabilidade significativa quanto à translucidez média, independentemente do tempo e do material adotados.

Tabela 1 - Translucidez (%), segundo o material, período de tempo e meio de imersão


Quando analisado o fator "Tempo" observou-se variabilidade significativa, independentemente do meio e do material empregado. O mesmo ocorreu com o fator "Material quando analisado isoladamente.Cada uma das interações analisadas apresentou variabilidade significativa, referente a: Os tempos exerceram influência na imersão x tempo, imersão x materìal, tempo x material e imersão x tempo x material. - As Tabelas 2, 3 e 4 mostram as médias de translucidez segundo cada fator que compõe a aná- lise de variância.

Todos os meios de imersão apresentaram translucidez média diferentes entre si, tendo I4 apresentando o maior valor, seguida de I1 e I3, estando a menor translucidez no meio I2.
Os tempos exerceram influência na translucidez média, sendo que o tempo inicial levou o maior valor, seguido pelos tempos de 24 horas, 31, 90 e 10 dias.
Quanto às interações dos fatores 2 a 2, os resultados podem ser observados nas Tabelas 5, 6 e 7.
Para a interação "imersão x tempo", observase que no tempo inicial, os dentes apresentavamse com comportamento uniforme nos diferentes meios de imersão.
Quando analisados os materiais frente aos tempos, nota-se que apresentaram comportamento semelhante no tempo inicial apenas. O material M2 apresentou translucidez média semelhante aos 31 e 90 dias.
Os materiais apresentaram valores de translucidez média uniformes para os meios I1 e I4. (Tabela 7).


Pelo exposto, material M2 permitiu maior translucidez média que o material M1.
Tabela 2 - Média, desvio-padrão e teste de Duncan para o fator "Material"
 

Tabela 3 - Média, desvio-padrão e teste de Duncan para o fator "Meio de imersão"
 

Tabela 4 - Médias desvio-padrão e teste de Duncan para o fator "Tempo"
 

Tabela 5 - Médias, desvio-padrão e teste de Duncan para a interação "imersão x tempo"
 

Tabela 6 - Médias, desvio-padrão e teste de Duncan para a interação tempo x material
 

Tabela 7 - Médias, desvio-padrão e teste de Duncan para a
interação "imersão x material"
   DISCUSSÃO

Os materiais restauradores estéticos foram desenvolvidos, tendo como um dos principais objetivos imitar as propriedades ópticas dos tecidos dentais, não somente no que se refere à cor,18 mas também seu grau de translucidez.27 Grande tem sido a evolução dos materiais nesse sentido, tanto do ponto de vista composicional dos mesmos (Atkinson & Pearson, 1985;1 Crisp, 1975),12 como também da tecnologia envolvida no seu uso clínico. A tecnologia da fotopolimerização só veio a contribuir para esse aspecto, mas também trouxe inúmeras melhorias para as propriedades físico-químicas e mecânicas dos materiais restauradores estéticos.13,33,34,39
As características ópticas, particularmente a translucidez, dos materiais estéticos têm sido motivo de estudo desde o aparecimento desses materiais,11,14,20,23,24,25,26,32,41 até hoje com as formulações mais recentes.7,13,15,17,33,34,38
Em nosso trabalho, através dos valores críticos de Duncan, pode- se constatar que a média ( % ) de translucidez se alterou em função do material, sendo que o material M2 (Duraffil) apresentou maior valor médio de translucidez que o material M1 (Charisma). Cabe salientar que o valor de translucidez inicial de M2 foi maior que M1 , provavelmente devido a uma maior quantidade de matriz orgânica em M2, permitindo uma maior passagem de luz através do material. Ao término do período de 90 dias (T4) o valor médio de translucidez de M2 foi menor que M1, pois este material, por possuir mais quantidade de matriz orgânica, permitiu uma maior absorção dos pigmentos advindos dos meios de imersão.
Charisma é uma resina composta híbrida, que consiste numa categoria de material desenvolvida com o objetivo de se obter superfícies melhores e mais lisas que aquelas conseguidas com as resinas compostas de partículas pequenas, mas com cuidado de manter-se as propriedades mecânicas das mesmas. As resinas compostas híbridas são consideradas como tendo uma lisura de superfície e uma estética que as tornam competitivas com as resinas compostas de micropartículas, para o uso em restaurações em anteriores. No entanto, como as partículas de vidro contêm metais pesados, normalmente elas têm uma radiopacidade maior que a do esmalte dental.
Duraffil é uma resina composta de micropartículas onde numa tentativa de resolver problemas de rugosidade superficial existente nas resinas compostas convencionais, foi desenvolvido um material que utiliza partículas de sílica coloidal como carga inorgânica. Vale lembrar que as partículas individuais têm tamanho entre 0,02 e 0,04 um; por isto, elas são 200 a 300 vezes menores do que a média das partículas de quartzo usadas nas resinas compostas convencionais. O conceito de resina com micropartículas (microfill), é o de se ter uma resina reforçada por meio de carga, mas que apresente uma superfície lisa, semelhante àquela que se obtém com as resinas acrílicas sem carga.
Com exceção da resistência à compressão, as resinas compostas com micropartículas apresentam propriedades físicas e mêcanicas inferiores às resinas compostas convencionais. Isto era de esperar, desde que aproximadamente 50%, em volume do material é constituído por matriz orgânica. Quanto maior for a quantidade de matriz em relação à carga, maiores serão a sorpção de água e o coeficiente de expansão térmica linear, e em contrapartida haverá a diminuição do módulo elasticidade.
Nossos resultados estão coerentes com os obtidos por Panzeri et al.,35 Fontana et a1.,21 que em estudos de translucidez dos materiais resinosos em espectrofotômetro ou em aparelho de eletroforese "Jouan", mostraram diferente níveis de translucidez para os materiais estudados. A diferença de translucidez detectada para os materiais estudados deve estar relacionada com a composição de cada um dos materiais, especificamente ao tipo, quantidade e tamanho das parüculas de carga.
Pode-se também admitir, segundo Bowen,2 que a translucidez de resina composta varia em função da capacidade de passagem da luz pelos seus componentes, do número e tamanho de bolhas internas, do índice de refração dos componentes e finalmente do tamanho das partículas. Corroborando com estas explicações temos Craig,10 em 1981, quando também afirmou que alterações no tamanho e tipo das partículas de reforço influem na translucidez do material.
Analisando o fator tempo podemos observar que exerceu influência na translucidez média, sendo que o tempo inicial levou o maior valor, seguidos pelos tempos de 24 horas, 31 , 90 e 10 dias.
Do mesmo modo, verifica-se na Tabela 4, variabilidade significatíva para o fator "imersão". Assim é notado que o meio I2 (vinho) levou a menor tran,slucidez média, seguido do meio I3 (café), meio I1 (coca-cola) e o que levou maior translucidez foi o meio I4 (listerine).
Com relação a este fator, existem várias controvérsias de opiniões entre os autores, de modo que Minelli ( 1988),31 afirma que o vinho apresenta maior potencial de manchamento, estando portanto em concordância com os resultados obtidos neste trabalho. Por outro lado, Chan et al. ( 1980),6
Cooley et al. ( 1987),8 Luce & Campbell ( 1988)28 e Dinelli et al. ( 1995),16 asseveram que o café mancha mais, quando comparado com o vinho.

   CONCLUSÃO

Dentro das nossas condições experimentais e de acordo com a metodologìa empregada, julgamos poder concluir :
-Os materiais apresentaram diferentes percentuais de translucidez, sendo que M1 (Charisma) apresentou menor nível de translucidez quando comparado com M2 (Duraffil).
- Os meios de imersão influenciaram de tal forma que I2 (Vinho) propiciou maior manchamento e por consequência, os menores valores de translucidez, seguído por I3 (Café), I1 (Coca-cola) e I4 (Listerine), sendo este último o que apresentou maiores valores de translucidez, ou seja, o que menos sofreu manchamento.
- Ambas as resinas estudadas apresentaram a translucidez alterada em função do tempo.



ABSTRACT:In thìs study were evaluated the effects of stains isoft drìnk, wine, coffee and antìseptic) on the translucency of composite resins microhybrid and microfill after immersion periods of 1, 10, 31 and 90 days. The results were submitted to analysis of variance and Duncan's test. Wine was the substance that caused more staìn, followed by coffee, soft drink and antìseptìc. The tìme was an ìmportant factor for the translucency in both materials.

KEYWORDS: Composite resin; stains: translucency.



   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Pesquisa auxiliada pela FAPESP - Iniciação científica
** Departamento de Odontologia Restauradora - Faculdade de Odontologia - UNESP - 14801-903 - Araraquara - SP

 

     
 

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