Revista da Faculdade de Ciências Odontológicas   Marília/SP, ano 2 , n°2, 1999 ISSN 1516-5639
     

INFLUÊNCIA DE PINOS DENTINÁRIOS NA RESISTÊNCIA ADESIVA DE RESTAURAÇÕES EM DENTES ANTERIORES FRATURADOS*

INFLUENCE OF DENTINARY PINS IN THE ADHESIVE RESISTENCE OF ANTERIOR FRACTURED TEETH RESTORATIONS



Expedito Machado de FARIA**
José MONDELLI***


Foram analisadas três variáveis com a finalidade de verificar o efeito da inclusão de dois pinos na resistência à fratura de retenções adesivas: 1) restaurações sem condicionamento ácido + 2 pinos rosqueados; 2) restaurações adesivas + 2 pinos rosqueados e 3) restaurações adesivas sem pino. Os resultados demonstraram que a presença de pinos na condição 1 proporcionou resistência e~statisticamente inferior às demais condições. As restaurações adesivas são superiores àquelas feitas somente com pinos ou com ataque ácido.
UNITERMOS: Pinos dentinários; Restaurações adesivas; Fraturas dentárias.


   INTRODUÇÃO

As restaurações de fraturas de ângulo e das lesões de Classe IV em dentes permanentes de pacientes jovens e adultos constituem um dos maiores problemas da odontologia restauradora.
Após o desenvolvimento da técnica do ataque ácido à superfície do esmalte e o advento do sistema restaurador adesivo, a restauração de dentes fraturados ou com lesões de Classe IV, que era considerada, até pouco tempo atrás, um procedimento temporário, pode ser considerada permanente, desde que exista um suporte adequado de esmalte ao redor da restauração (BYSGA4; ROBERTS; MOFFAZ20; STAFFANOU25), requerendo apenas controle ou reparos eventuais (BUONOCORE; DAVILLA6; BUONOCORE5; GOLDSTEIN13; SIMONSEN23; HINDING14; JORDAN15; STARKEY; AVERY26; WARD et al29).
Existem vários tipos de preparos para fraturas de ângulo de dentes anteriores permanentes, classificados por GALAN JR. et al.11 de tipos I a VI, em decorrência de sua forma e extensão.
Já as restaurações do tipo IV originadas de lesões cariocas são mais críticas, necessitando análise dos princípios mecânicos aplicáveis à forma de retenção nessas cavidades, consideradas por MONDELLI et al.18, 1984; MONDELLI17, 1996; ROLA et al.21, 1980. Em função disso, os preparos cavitários de classe IV podem necessitar de diferentes tipos e formas de retenções adicionais, como: retenções mecânicas internas; pinos metálicos retidos em dentina; ataque químico das paredes de esmalte com ácido, particularmente útil quando usado para restaurar dentes anteriores fraturados ou cariados, pela vantagem de diminuir ou eliminar completamente a necessidade de remoção de estrutúra dentária sadia interna para conseguir retenção.
A utilização de um ou mais pinos em Dentística Restauradora representa um prolongamento adicional da restauração dentro de um orifício feito em dentina, com o propósito de melhor reter ã restauração do dente. A forma, o número e a localização dos pinos dependem fundamentalmente da extensão do preparo cavitário, do volume vestíbulo-lingual e da posição do dente no arco.
A técnica mais indicada na literatura e empregada atualmente para a restauração das cavidades de Classe IV e fraturas de ângulo associa o condicionamento ácido do esmalte e o tratamento da dentina com adesivos para promover a ligação entre resina composta e estrutura dentária. Existe uma certa resistência em usar pinos metálicos em dentina porque eles promoveriam inúmeros riscos (perfuração da câmara pulpar e/ou periodonto, respostas inflamatórias da polpa, trincas ou rachaduras na dentina), além de ser uma técnica operatória mais problemática (FELTON et al.10, 1991 ; SCHUCHARD; REED22, 1973) e de difícil disponibilidade no comércio odontológico nacional.
Além disso, controvérsias sobre a eficiência dos pinos em aumentar a retenção de restaurações também existem na literatura especializada, como salientam DARVENIZA7, 1987; DIETZ; MESKO9, 1980; SMALES24, 1991; TYAS27, 1990, enquanto ATTIN et l1.2, 1994, verificaram aumento na retenção e resistência à fratura de restaurações quando se associam o sistema adesivo e os pinos dentinários cobertos por adesivo opaco.
Considerando estes aspectos, o objetivo do estudo foi investigar se o emprego de pinos dentinários aumenta a resistência do deslocamento de restaurações em preparos do tipo IV, de GALAN JR. et al.11, submetidos a carregamentos em ângulo de 90°-, nas seguintes condições:
GRUPO 1: restaurações adesivas + 2 pinos rosqueados;
GRUPO 2: restaurações adesivas sem pinos, com 10 corpos de prova para cada grupo.

  MATERIAL E MÉTODOS

Preparo dos corpos-de-prova
Trinta (30) incisivos ântero-inferiores hígidos de bovinos foram selecionados e armazenados em frascos de vidro contendo solução isotônica de cloreto de sódio a 0,9%, com 0, 1 % de cristais de timol, e depois incluídos por suas raízes em resina plástica (Crystic 191, l Og; Acelerador de cobalto, 2 gotas; catalizador meck, 4 gotas; pó de resina acrílica a.t. marca clássico incolor, 15 g.), conforme formulação desenvolvida por ARAÚJO; CHIODI NETTO1, a qual não libera calor exotérmico de polimerização. Optou-se por empregar dentes bovinos com base na pesquisa de NAKAMICHI; IWAKU; FUSAYAMA19, pela similaridade com dentes humanos, quanto à resistência adesiva do esmalte e dentina, além da dificuldade de se conseguirem dentes humanos extraídos hígidos e na quantidade necessária.


Figura 1-Classificação das fraturas coronárias de dentes anteriores
em seis tipos, de acordo com a extensão, técnica de preparo e restauração.

Figura 2 - Vista aproximada por incisal, onde se
percebem as perfurações para abrigar os pinos por
rosqueamento e o bisel periférico.

Técnica de preparo cavitário

Com pontas diamantadas da KH Sorensen, número 4138, trabalhando em alta rotação e refrigeração com jatos de água/ar, as coroas dos dentes foram seccionadas até a altura do terço médio, no sentido inciso-cervical, simulando uma fratura de ângulo do tipo IV (Figura 1 ) . Um bisel côncavo de 1,0 mm de extensão foi determinado com ponta diamantada número 31 18 ao longo de toda a área periférica marginal (Figura 2). Em 20 dentes foram rosqueados 2 pinos nos terços mesial e distal para dentro da junção amelodentínária e no centro da extensão vestíbulo-lingual do preparo (Figura 3).
Os orifícios foram executados com broca tipo trépano ("spiral drill") que acompanha o conjunto "pin lock" da Whaledent Internacional, girando a baixa velocidade e refrigerado a ar. A broca girando era pressionada até que seu limitador de penetração alcançasse a dentina, estabelecendo assim um orifício com 2 mm de profundidade. Nesses orifícios executados em dentina os pinos eram rosqueados lentamente (Figura 4), (1/4 de volta por vez), e quando atingiam o limite de penetração "stop" ou apoio em dentina, eles se fraturavam no local onde existe estrangulamento.


Técnica de restauração


As restaurações foram realizadas de acordo com as condições pré-estabelecidas para os vários grupos e segundo a seqüência constante das instruções do fabricante do sistema restaurador adesivo:
GRUPO 1: aplicação do sistema adesivo (One Step);
GRUPO 2: aplicação da resina (Aelitefil).
Os corpos-de-prova (base de resina/dente/restauração) após o acabamento e polimento foram armazenados por 72 horas em saliva artificial, numa estufa regulada a 37° C, período este sugerido e empregado por ATTIN et al.2 (Figura 4).


Ensaios


Após 72 horas, as restaurações foram submetidas a carregamento axial de compressão numa máquina de ensaios universal Kratos, modelo K 500/2000, de fabricação brasileira; o carregamento axial de compressão foi 3 mm de diâmetro, acoplado na extremidade inferior de um ponteiro de bronze rosqueado por seu extremo superior na plataforma da máquina de ensaios (Figura 5).
A velocidade de aproximação foi de 0,5 mm/ minuto até o deslocamento da restauração, cujos valores eram registrados automaticamente no mostrador digital da máquina de ensaios.


Figura 3-Bisel executado com 1 mm de extensão
e pinos rosqueados na união do terço médio
com a mesial e a distal.

Figura 6 - Dispositivo com o corpo-de-prova e
célula de carga fixados do dinamômetro.

Figura 5 - Corpo-de-prova (base cilíndrica de resina/dente wstauração)
em posição de 90° para ser submetido ao teste de cornpn s,ão por
meio do conjunto haste de bronze (dispositivo com sistema de
engrenagem (Figura 6)) / máquina que permitiu que o carregamento
incidisse de lin~ual para vestibular sobre um local padronizado.

Figura 4 - A) dente bovino incluído por sua raiz no anel de plástico
com resina especial que não desenvolve calor exotérmico: B) dente
preparado com dois pinos paraser restaurado; C) dente restaurado.



Os resultados obtidos foram tabulados e submetidos à análise estatística.

Tabela 1 - Resistência adesiva de restaurações com dois pinos e sem ataque ácido em fraturas de ângulo do tipo IV ( valores em Kgf).

Média = 14,18
Desvio-Padrão: 1,35
Tabela 3 - Resistência adesiva de restaurações com dois pinos e com ataque ácido em fratura de ângulo de tipo IV ( valores em Kfg ).

Média = 38,20
Desvio-Padrão: 1,52
Tabela 3 - Resistência adesiva de restaurações com ataque ácido e sem pino em fratura de ângulo de tipo IV ( valores em Kfg ).

Média = 31,95
Desvio-Padrão: 2,16
Tabela 4 - Análise de variância.

F = 55,5
P = 1%
   RESULTADOS E DISCUSSÃO

As restaurações realizadas com a inclusão de dois pinos sem condicionamento ácido e com adesivo demonstrará predominância de fratura adesiva, desde que apenas um caso apresentou fratura combinada (adesiva e coesiva); por outro lado, as restaurações com ataque ácido e adesivo com e sem pinos apresentaram fratura tanto coesiva quanto adesiva após o teste de carregamento lingual.
Essas ocorrências demonstram claramente a comprovada eficiência do condicionamento ácido em aperfeiçoar a ligação adesiva dos procedimentos restauradores deste tipo. Um aspecto interessante e que chamou atenção foi que em muitos casos a fratura coesiva ocorreu no dente e no material da restauração, em função talvez do efeito do condicionamento ácido, que possibilitou uma ligação adesiva mais firme e fez com que a restauração e a estrutura dentária se fraturassem antes do deslocamento da restauração. Isto faz pensar que a força de deslocamento foi superior ao que seria necessário para uma restauração resistir em condições de oclusão equilibrada que, segundo AYRES3, seria de aproximadamente 23 libras ou 10Kg.
Os resultados da análise de variância (critério e nível de significância determinado a 5%) demonstraram que os valores obtidos para os três grupos foram estatisticamente significantes entre si. Observou-se que o emprego da restauração apenas com pinos e sem condicionamento ácido (média = 14, 18 Kgf) não possibilitou retenção adequada, sendo inferior estatisticamente aos resultados obtidos quando se utilizou o sistema adesivo após condicionamento ácido (média = 31,95 Kgf), tal como ocorreu na maioria das condições testadas por AYRES3, com exceção do preparo com ombro, desse autor, no qual o condicionamento ácido ou 2 pinos metálicos apresentavam as mesmas magnitudes de retenção. Todavia, quando se empregaram o condicionamento ácido e os pinos (média = 38,20 Kgf), o efeito dessa associação apareceu de forma significante em relação aos demais grupos. Esses resultados estão de acordo com as pesquisas de ATTIN et al.2 , e de DIETZ; MESKO9, que verificaram o aumento na resistência à fraturá e ao deslocamento, respectivamente, de restaurações Classe IV com o emprego de pinos metálicos. Vêm de encontro a resultados de LIBERMAN, GORFIL; BEM-AMAN16 e de ROLA et al.21, que observaram diminuição de influência marginal comprovando as opiniões de SMALES24 E YATES; HEMBREE28 e D'HAWERS8 afirmaram que o uso de pinos em restaurações de dentes anteriores fraturados contribui para melhorar este tipo de procedimento. Os resultados obtidos nesta pesquisa divergem dos encontrados por SIMONSEN; KRAIRY23, principalmente por estes autores terem estudado a resistência à fratura e não ao deslocamento.
Considerando que a utilização de dois pinos em restaurações adesivas de fratura de ângulo do tipo IV apresentou s.ignificância estatística, este procedimento poderá ser indicado em algumas situações clínicas especiais que exigem recursos retentivos adicionais. Como exemplo, podem ser citados dentes de pacientes idosos nos quais ocorre maior número de falhas de restaurações de classe IV, devido talvez à maior calcificação, caso no qual o esmalte se torna menos reativo. Aliás, SMALES24 em 1991 verificou uma maior ocorrência de falhas de restaurações de classes III e IV em pacientes idosos. Outro caso seria quando a restauração é submetida a sobrecargas oclusais, devido a bruxismo e falta de contenção posterior.
Uma outra constatação importante foi que os pinos aqui empregados, por possuírem um limitador de penetração durante seu rosqueamento na dentina, não transmitem estresse às paredes dentinárias. Desta forma, não provocam microfraturas, que exigiriam uma técnica operatória mais cuidadosa, como alegaram alguns autores citados por GALINDO12.
Finalmente, pode-se afirmar que a utilização de pinos dentinários constitui um artifício retentivo útil em casos especiais, especialmente em restaurações de classe IV e/ou fratura de ângulo.

   CONCLUSÕES

Com base nos resultados da análise estatística aplicada aos valores obtidos nas condições experimentais estabelecidas, concluiu-se:
1) a presença de pinos em restaurações de resina composta com adesivo e sem condicionamento ácido proporcionou resistência adesiva estatisticamente inferior às restaurações cujos preparos foram previamente condicionados com ácido fosfórico com ou sem pi- nos metálicos;
2) as restaurações adesi- vas com 2 pinos dentinários e ataque ácido do esmalte apresentaram retenção (resistência ao deslocamento sob esforços axiais de compressão) estatisticamente superior àquelas confeccionadas somente com pinos ou com condicionamento ácido.


This study analyses three variables prepared in bovine teeth: 1 ) restorations with no acid etching + 2 threaded pins; 2) adhesive restorations plus 2 threaded pins and 3) adhesive restorations without pins. The results showed that the presence of pins in condition 1 caused a resistence statistically inferior to the other conditions. Adhesive restorations are superior to those made only with pins or acid etching.

UNITERMS: Dentinary pins; Adhesive restorations; Dental fractures.


   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Resumo de Dissertação apresentada à Faculdade de Odontologia de Bauru-USP para obtenção do título de Mestre em Odontologia - Área de Dentística.
** Mestre em Odontologia, Área de Dentística, pela FOB-USP. Bolsista da CAPES - Coordenação de aperfeiçoamento de nível superior.
*** Professor Titular do Departamento de Dentística da FOB-USP. e orientador da pesquisa.

 

     
 

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